março 24, 2012

boa viagem


R.
vi hoje na tv um documentário passado na região do Outback da Austrália, onde só os aborígenes conseguiam sobreviver. Incrível, lindíssimo, imprevisível: a natureza em seu estado mais puro. E, é claro, foi impossível não lembrar que você está indo pra lá por esses dias, e vibrei por isso. A graça das viagens é mesmo esta: reencaixar-nos no mundo (e em nós) de outra forma.
Traz sim um canguruzinho.
Boa viagem.

 o uluru


março 18, 2012

sou qualquer coisa natural


Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes,
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva toda.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Eu olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural

Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

"O Guardador de rebanhos" – Alberto Caeiro

Foto: "bluebird sights", jtravism (Flickr)

março 13, 2012

"maravilhindinho"

Foto de Alex Almeida (Facebook)


(emprestado da página de Luis Manuel Gaspar)



Folheando Llansol (...), me encanto numa primeira página. Diz Maria Gabriela LLansol que ela nunca usa a palavra "civilização" porque esta palavra "coloca imediatamente os animais, as plantas, a terra e os seus elementos numa posição de instrumentos e de subordinados face ao homem". Será que finalmente vou ser abduzida por esta autora em geral tão difícil?

(da página de Angela Lago no Facebook)



as casas

Vilhelm Hammershøi [1864-1916], «la danse de la
poussière dans les rayons du soleil», 1900


Vilhelm Hammershøi, «les quatre pièces», 1914



AS CASAS I

As casas vieram de noite
De manhã são casas
À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

São altamente mais dóceis
que as crianças
Dentro do estuque se fecham
pensativas

Tentam falar bem claro
no silêncio
com sua voz de telhas inclinadas


Luiza Neto Jorge, «As Casas», Terra Imóvel, 1964
Poesia 1960-1989, Lisboa, Assírio & Alvim, 2.ª ed., 2001

março 02, 2012

o que...?


Rallenti, o compasso dos dias – contemplai os objetos, pacientes, à espera; o sol que chega todas as manhãs, as árvores magníficas em volta, a luz entre os ramos, sussurros, um cheiro que vem no ar... Mas às vezes, inquieta, pergunto: o que...?


(foto de Fátima Ribeiro: lojade300.blogspot.com)