março 26, 2009

com açúcar, com afeto



Com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa, qual o quê
Com seu terno mais bonito, você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa
Você diz que é operário, sai em busca do salário
Pra poder me sustentar, qual o quê

No caminho da oficina, há um bar em cada esquina
Pra você comemorar, sei lá o quê
Sei que alguém vai sentar junto, você vai puxar
assunto
Discutindo futebol
E ficar olhando as saias de quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol

Vem a noite e mais um copo, sei que alegre ma non
troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo
Pra você rememorar

Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito
criança
Pra chorar o meu perdão, qual o quê
Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de
vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado

Como vou me aborrecer, qual o quê
Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu
retrato
E abro meus braços pra você

(música de Chico Buarque)

março 14, 2009

http://www.chapelariaalberto.com.br/


Eu adoro chapéus. São a minha vaidade. E olha que nem sou daquelas pessoas que ficam bem com qualquer arranjo que façam na cabeça: um lenço, um coque, um capuz, uma touca, um boné ou um chapéu com abas. Há quem fique uma maravilha. Não é o meu caso: é só porque acho o chapéu um adereço muito interessante. Às vezes paro em frente às vitrines das luvarias (acho igualmente lindas as luvas), onde há também chapéus (ou serão lojas de chapéu onde também vendem luvas?) e fico olhando o talhe de cada um, as fitas ou redes ou laços; os tecidos, os tons, o modo como foram arranjados na vitrine; e por fim olho também os preços... quem sabe me atrevo...Hoje já pouca gente usa. Na minha terra, nem pensar! O inverno lá acabou quando acabou a minha infância. O inverno então era friozinho, e dava até pra usar touca de lã. Foi assim que aprendi a fazer tricô: construindo a minha touca de lã.
Aqui no hemisfério norte ainda se usa bastante o chapéu, e até encontro muitas ofertas em estilos diferentes para ocasiões diferentes. Uma tentação. Já na minha cidade, no hemisfério sul, deve haver uma única loja (a da foto), que eu nem sei como sobrevive! Entrei lá uma vez, e as pessoas que encontrei me fizeram pensar que aquilo é coisa de família, que veio vindo pelas diversas gerações, talvez desde um avô muito antigo, o mais provável imigrante. Saí da loja com a história da família já toda imaginada.Sou assim: uma visitante de lojas de chapéus e de luvas onde teço as minhas histórias e não compro nada.

A mesma Chapelaria Alberto no início do século XX:

Mário de Andrade a Manuel Bandeira (29-XII-1924)

Mário de Andrade

Manuel Bandeira


(...)
Quanto aos diminutivos são uma coisa deliciosa na tua obra. A pena foi serem feitos quase sempre à portuguesa. Você já reparou que o diminutivo brasileiro ainda é mais carinhoso que o português? Eu creio que isso nos veio do fundo amoroso do negro. Bodezinho pra nós ficou bodinho, que é uma maravilha e a que nada se compara no mundo das línguas que conheço. É engraçado, agora que começo a escrever brasileiro, tenho usado uma quantidade enorme de diminutivos. Você compreende: a gente não pode fingir, quer falar brasileiro mas isso não basta. É preciso sentir brasileiro também. Pus isso num poema que estou fazendo, pequenininho aliás, "O poeta come amendoim", e que assim que ficar pronto te mandarei, já está pronto até, mas tem umas coisas que não gosto, eu pus um diminutivo que é um achado, veja:

"A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos.
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras."


Não achas estupendo aqueles "versinhos"? É uma caçoadinha cheia de respeito, cheia de amor nosso, bem brasileiro. Acho um encanto.
(...)

Tirado do livro Seria uma rima, não seria uma solução - a poesia modernista, Livros Cotovia, 2005

março 12, 2009

conversa sem eira nem beira

Se eu fosse falar de umas pessoas de que gosto muito, não sei onde acabaria. Depois não sei onde estaria o limite que passaria a definir as pessoas de que gosto mas nem tão muito assim. Até chegar àquelas que no momento não me agradaria nada ter por perto. Mas como não se trata de uma contabilidade de sentimentos, e porque sou muito capaz de arranjar pretextos para me deixar ficar num estado amoroso, de conciliação ou reconciliação, de afeto quase infantil pelo que está à minha volta, e poder tirar prazer das coisas do viver e não perder nada desse cenário do mundo que está mesmo à frente, é melhor que eu vá ficando por aqui nessa conversa sem eira nem beira.

março 08, 2009

dias que brilham

Em tempos menos bons, tenho urgência em falar dos dias que brilham. Ontem foi um desses dias, passado com amigos.
Agora é uma da manhã, acabo de chegar a casa, e vinha subindo a pé as ruas ainda frias do fim de inverno. Estou aqui, agora. Lá fora há um grande silêncio e a árvore em frente ao prédio cheira a jasmim.




março 01, 2009

fala o romancista



"Uma coisa que custa trabalho a entender é que o arquiduque maximiliano tenha decidido fazer a viagem de regresso nesta época do ano, mas a história assim o deixou registado como facto incontroverso e documentado, avalizado pelos historiadores e confirmado pelo romancista, a quem haverá que perdoar certas liberdades em nome, não só do seu direito a inventar, mas também da necessidade de preencher os vazios para que não viesse a perder-se de todo a sagrada coerência do relato. No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso."