Um blogue-diário, com textos, fotografias ou o que mais houver. Um blogue intermitente, porque há sempre fases e fases.
dezembro 21, 2008
varal
Querem me ver feliz? É, por exemplo, eu ter de estender a roupa no varal. Desde tirá-la da máquina, com aquele cheiro de lavado, depois pô-la na bacia, mais os pregadores, e levar lá pra cima, pro terraço coberto, pro varal coletivo, o varal mais bem situado que conheço - com vista pro Atlântico e pra toda a vila. Um deslumbre a qualquer hora do dia ou da noite. Há sempre que fazer uma pequena pausa e olhar, olhar.
Às vezes é preciso disputar lugar nas cordas: uns trinta metros quadrados pra roupa de cinco apartamentos não é muito.
Hoje em particular foi tão bom, depois de dias e dias de chuva, em que a gente tinha de lavar a roupa pra não acumular; e depois a roupa não secava por causa da intensa humidade, e ficava com aqule cheiro de cachorro molhado …
Mas hoje o sol saiu. Não intenso, porque é sol de inverno, mas bom, e morno o suficiente para, com a ajuda da brisa, secar e deixar frescas as nossas roupas, as meias, as fronhas e os lençóis, as mantas, os tapetinhos do banheiro, e até como novos os belos tênis do vizinho.
diário 1
Leio (não vi o filme) "A Morte em Veneza", editado pela Relógio D'Água, Junho de 2004. Lá à minha maneira, vou viajando pelos livros, caótica, lendo dois ou três simultânea e lentamente. Leio este sobretudo porque li "Cartas de Veneza", do Robert Dessaix, e um me levou ao outro. Acho que, pela primeira vez - e talvez só agora o tenha percebido - tenho a sensação de "precisar de um autor". Nunca senti isso antes, sempre fui dispersa. Mas agora dei pra 'precisar de ler coisas que alguém sente-pensa-escreve de um modo em particular'. É claro que em breve vou reler "Cartas de Veneza". Como quero ler-reler outros livros dele, e de outros. Bom, todo esse blá-blá-blá pra dizer que estou me deliciando com "A Morte em Veneza", cuja leitura, por sua vez, vai me estimulando em tantas e tantas outras direcções, sobre as quais talvez eu venha a falar aqui.
Lisboa, 19/2/05
lembranças de Timbaúba
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha na alma.
A educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto
imagem: desenho de Candido Portinari
Timbaúba fica no interior de Pernambuco, perto do Recife.
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Lisboa, 22/4/05
Portugal é pequeno, mas é grande
(1)
Hoje eu estava no ônibus de volta pra casa e havia ali mais brasileiros do que portugueses. Isso é comum. Há brasileiros em toda parte. Assim como ucranianos, angolanos... Mas brasileiros há aos montes: mineiros (muitos), goianos, paranaenses, paulistas (do interior principalmente), baianos, cariocas (poucos!), etc. Na rua você vai pedir uma simples informação, e há uma grande chance de ouvir um "brazuca" a falar. O mesmo nas lojas, nas lanchonetes, nas obras. Hoje andei pelo parque Eduardo VII para ver a finalização da montagem dos pavilhões da Feira do Livro. Havia vários rapazes a pintar paredes, martelar, aparar madeiras. Falavam entre si. Brasileiros. Será que estou mesmo no hemisfério norte?
(2)
Ontem, saindo do trabalho, já no ponto de ônibus, me deliciava enquanto ouvia um trabalhador das obras - brasileiro, naturalmente - conversando pelo celular com o 'Seu Manel'. É claro que eu só ouvia o lado de cá do diálogo, mas não pude deixar de sorrir inúmeras vezes. Sabem aquela conversa típica, aquele jeito de falar bem malandreco, pra deixar o 'Seu Manel' tranquilo em relação à tarefa que seria cumprida? Pois é! Pena eu não poder reproduzir. Essas cenas também me deixam saudosa.
Lisboa, 28/5/05
Férias - agosto 2005
brisa - Manuel Bandeira
o ombro ligado - Konstandinos Kavafis
Disse que bateu numa parede ou que caiu.
Mas provavelmente seria outra a causa
do ombro ferido e ligado.
Com um movimento um tanto brusco,
para tirar de uma estante algumas
fotografias que queria ver de perto,
desatou-se a ligadura e correu um pouco de sangue.
Voltei a ligar o ombro, e ao ligar
demorava um pouco; porque não lhe doía
e eu gostava de ver sangue. Coisa
do meu amor aquele sangue era.
Quando se foi embora encontrei aos pés da cadeira
um farrapo ensanguentado, dos panos,
farrapo que parecia para o lixo directamente
e que nos meus lábios pus,
e que conservei muito tempo -
o sangue do amor sobre os meus lábios.
imagem: foto de José Manuel Reis
um bocadinho de humanidade
(palavras de Antonio Tabucchi para o jornal O Público, Abril 06)
partir
Estar fora, vivendo longe da nossa casa, é uma experiência muito pessoal. Pode envolver circunstâncias variadas, e suscitar em cada um sentimentos muito diversos, mais, ou menos, felizes. No meu caso, tenho o tempo todo escrito no peito, como aquelas frases nas t-shirts: «estou fora de casa». Não é que seja bom, nem que seja mau. É outra coisa, diferente, que escapa ao simples bom, ao simples mau. Então li algo interessante, que fez sentido com essa sensação 'diferente' que não sei explicar bem, com a minha experiência particular, e que gostaria de contar porque é algo que, mesmo tão presente, pouco tenho compartilhado. Lembrei disso agora porque, hoje, almoçando sozinha, distraía-me a ler a agenda com o diário da viagem a Praga.
No avião, de volta pra casa, sempre com o livro do P. Auster como companhia. Não consigo largar 'A Noite do Oráculo'. Meus olhos ardem de cansaço mas não consigo parar de ler, e até vou fazendo umas anotações na margem. Leio. «(...) B. não põe em causa aquilo que está a fazer. É uma atitude que pouco ou nada tem de generoso ou admirável, mas B. é um homem arrebatado por uma idéia, e essa idéia é tão imensa, (...) que ele sente que não tem outra saída senão obedecer-lhe - mesmo correndo o risco de agir de um modo irresponsável, de fazer coisas que, um dia antes (...). Sabia que não voltaria a ter paz enquanto não se ajustasse a este novo lampejo de vida. (...) E de que modo? De um modo muito simples: partiria.»
Lisboa, 09/11/06
imagem: quadro de Edward Hopper, Rooms by the sea
as intermitências do amor
Ontem tive nas mãos um livro com as cartas de amor de Fernando Pessoa a Ophélia, durante 1920 e depois 1929-1930. Andei a passar os olhos por elas e o que mais me chamou a atenção foi a variação nos tratamentos, o que me fez rir muito. Então tentei imaginar Pessoa enquanto ele escrevia assim:
Ophelinha
Meu amorzinho
Meu Bébé querido
Meu Bébé pequenino (e actualmente muito mau)
Meu Bébé anjinho
Meu Bébézinho mau e bonito
Meu Bébé mauzinho (e muito)
Querida Ibis
Querida Nininha pequena
Víbora
Bébé fera
Pequenina
Vespa
Terrível Bébé
Meu Ibis chamado Ophelia
pedaços de livros
do livro A identidade, de Milan Kundera
flanar, verbo universal
Para compreender a psicologia da rua, não basta gozar-lhe as delicias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível; é preciso ser aquele que chamamos 'flâneur' e praticar o mais interessante dos esportes: a arte de flanar.
(…)
Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários; que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde (…).
É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência (…), ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.
(…)
Eu fui um pouco esse tipo complexo e, talvez por isso, cada rua é para mim um ser vivo.
Balzac dizia que as ruas de Paris nos dão impressões humanas. São assim as ruas de todas as cidades, com vida e destinos iguais aos do homem.
do livro de crônicas (1918) A Alma encantadora das ruas, de João do Rio (foto)
histórias de migrantes
(De manhã tem pão de queijo quentinho!)
O dono do Spiadela é um senhor muito simpático, sempre muito gentil e atencioso com todos, e brincalhão. É português, mas a princípio pensei que fosse um brasileiro que tivesse pegado o sotaque daqui. Então, pouco a pouco, a cada vez que vou lá, puxo conversa e fico sabendo mais um espisódio da vida dele.
Emigrou para o Brasil, para o Paraná, aos dezessete anos, através de uma “carta de chamada” do irmão, que já tinha ido pra lá. Esta “carta” era um documento que existia na época, em que uma pessoa – no caso, o irmão dele – se responsabilizava por outra, em todos os sentidos, durante cinco anos. Após os tais cinco anos, o recém-chegado (já menos 'recém') recebia o “modelo 19”, um documento, segundo ele, dado somente aos imigrantes portugueses que se tinham mesmo fixado no Brasil.
Com o tempo, acabou por encontrar aquela que viria a ser a sua mulher, mãe dos seus cinco filhos, todos nascidos no Paraná. Ela também era imigrante portuguesa, tendo ido pra lá com os pais.
Ele (ainda não sei o seu nome…) me contou, por alto, que conhece quase todo o Brasil, tendo, inclusive, ajudado a fundar uma cidade (...?) em Roraima: está lá a sua assinatura nos registros da fundação. Conhece o Mato Grosso todo, o Sul todo e por aí a fora.
Voltou pra Portugal com a família – só uma filha ficou no Brasil, casada com um brasileiro – em 1988, e aqui recomeçou a vida.
Tem uma expressão afável, alegre, e o sotaque é mesmo um misto de português daqui com paranaense.
Ele adora o Paraná. Pelo pouco que me contou, teve no Brasil uma vida boa e plena. Talvez tenha voltado por aquele impulso de voltar à terra natal, mais cedo ou mais tarde.
A nossa conversa acontece enquanto ele me dá o troco ou prepara um cafezinho – daí ser assim, um pouco aos bocados, fragmentada. Mas ainda vou saber mais: porque acho bom ouvir a vida das pessoas. Não por curiosidade pura e simples, mas porque a vida das pessoas tem valor, e traz histórias de épocas, de momentos da vida humana em geral.
Cascais, 24/3/07
eu nunca tinha visto o meu coração
Mas vi-o hoje.
Há muitos anos soube que tenho uma levíssima alteração na válvula mitral do coração. Não sinto nada, mas de tempos em tempos o médico me pede um exame só pra ver se continua tudo bem. Hoje foi um desses dias. Passei no Centro de Saúde e o médico me pediu para fazer um ecocardiograma na clínica do Dr. Castanheira - e lá fui eu.
Como havia vaga, esperei um pouco e logo fui chamada.
Seguindo a orientação dada, tirei a blusa e, deitada, virei-me para a esquerda, enquanto o médico fazia pressão sobre o local do exame. Observei então, pelo reflexo numa chapa de acrílico junto à parede, próxima ao meu rosto, as imagens que apareciam na tela atrás de mim. E com som.
Pois o óbvio me surpreendeu. Ouvia os batimentos e via na tela todo o movimento do coração. Mas o que me impressionou foi que, numa determinada posição do aparelho, eu via como que uma explosão vinda de dentro do coração, um fogo, uma chama que, com a sua força vital, distendia as paredes da válvula, num movimento ritmado. De repente, foi como se "caísse a ficha": é isso, é essa chama que me mantém, que nos mantém.
Olhem que não sou religiosa, embora admita o mistério. Mas naquele momento pensei, com uma emoção diferente, no enigma de tudo isso.
Acho que nunca vou me esquecer daquelas imagens e sensações. É claro que já vi na tv vários documentários sobre cirurgia cardíaca, etc. Mas não há nada como ver "a nossa própria máquina"! Divina?
Cascais, 03/4/07
imagem: quadro de Beatriz Milhazes
um dia normal
Ter me mudado pra essa pequena vila está revolucionando a minha visão dos dias, embora eu já suspeitasse de algumas constatações que faço hoje. Do que são dias bons, ou menos bons… Por exemplo, um dia normal pode ser uma das melhores coisas desse mundo.
Ontem e hoje o carpinteiro, o Sr. Daniel, está aqui dando uma ajeitada nas madeiras que enrijeceram com o tempo e precisavam de um afago. Um armário na casa de banho também deu aquele jeito: o secador, a perfumaria, os remedinhos, essas coisas - tudo encontrou o seu lugar.
Hoje é a vez das gavetas da cozinha, antes tão emperradas que mal se conseguia abrir.
E como não pude fazer o almoço em meio a ferramentas e pedaços de madeira e pó pra todo o lado, resolvi almoçar naquele restaurantezinho do Sr. Mário. Ementa: arroz com feijão preto – claro! –, folhas inteiras de couve, deliciosas, e umas carnes que filei do cozido; daquelas que a gente vai esfiapando, hmmm. Também pedi um punhado de farinha pra pôr no feijão (até me perguntaram se eu era baiana – ao que expliquei que herdei esse gosto do lado da família do Maranhão), e só uma taça de vinho branco fresco. Preço único, de modo que a gente pode sempre pôr mais um pouquinho do que quiser.
Depois saio, atravesso a rua em direção a casa e venho pensando.
Pois é, um dia pode ter tantas nuances de prazer. Ver que a casa afinal está ficando arrumada é bom; depois, como foi prático almoçar fora, aqui por perto. Volto pra casa onde um novo trabalho me espera e, mais tarde, conforme a temperatura, penso em dar umas voltas por aí, imaginando talvez a viagem que sonhamos fazer a Cuba.
Um dia normal pode parecer pouco às vezes. Mas não é.
Cascais, 16/5/07
Adélia diz o que não consigo dizer
Cinzas
No dia do meu casamento eu fiquei muito aflita.
Tomamos cerveja quente com empadas de capa grossa.
Tive filhos com dores.
Ontem, imprecisamente às nove e meia da noite,
eu tirava da bolsa um quilo de feijão.
Não luto mais daquele modo histérico,
entendi que tudo é pó que sobre tudo pousa e recobre
e a seu modo pacifica.
As laranjas freudianamente me remetem a uma fatia de sonho.
Meu apetite se aguça, estralo as juntas de boa impaciência.
Quem somos nós entre o laxante e o sonífero?
Haverá sempre uma nesga de poeira sob as camas,
um copo mal lavado. Mas que importa?
Que importam as cinzas,
se há convertidos em sua matéria ingrata,
até olhos que sobre mim estremeceram de amor?
Este vale é de lágrimas.
Se disser de outra forma, mentirei.
Hoje parece maio, um dia esplêndido,
os que vamos morrer iremos aos mercados.
O que há neste exílio que nos move?
Digam-no os legumes sobraçados
e esta elegia.
O que escrevi, escrevi
porque estava alegre.
do livro O Coração disparado, de Adélia Prado
o inverno chegou mesmo
Há pouco conversava em off com a Graça.
Falava deste dia cinzentão - neblina cerrada, frio, chuva fina, humidade - contra todas as previsões da meteorologia.
É isso: a gente pode prever, mas na última hora a natureza é que manda.
Fechada aqui no meu bunker, trabalho um pouco, paro um pouco. Várias camadas de agasalho porque o aquecimento não dá conta da temperatura baixa. E já sei que o dia vai passar assim, entre trabalho e vindas ao computador, um chá ou um café pra ir acompanhando as horas, algum telefonema de amigos igualmente preguiçosos nos seus cantos, e mais tarde talvez um show da Amy Winehouse que gravei ontem da tv a cabo.
Mas é preciso amar também esses dias.
Cascais, 05/1/08
retalhos
Estou ouvindo agora no rádio um programa especial sobre Cuba e a decisão de afastamento de Fidel depois de 50 anos. Ouvi sempre prós e contras sobre Fidel, sobre o regime, e, confusa entre a complexa realidade e o mito, sem nunca ter ido à Ilha, além de um pouco avessa a me aprofundar em certos temas, nunca cheguei a ter uma opinião formada sobre Cuba.
Mas enquanto escrevo esse postzinho sem importância, ouço a voz de uma jornalista, alguém de Honduras ou da Guatemala, a contar que a América Central está completamente dominada pelo narcotráfico, e quem não se enquadra, morre.
Ignorava que isso se passasse lá com tal dramaticidade. As revelações da mulher na rádio me afetam, fico tentando imaginar o presente e o futuro dessas populações, mas por pouco tempo: é um mundo desconhecido que, pelo menos por enquanto, está muito mais distante de mim do que as questões mais prementes do meu dia-a-dia.
Cascais, 24/2/08
lugar-comum
Mesmo sendo trabalho, algumas coisas que leio são mesmo muito libertadoras. E gosto de me descobrir fazendo parte do lugar-comum dos mortais quanto aos sentimentos e medos que toda a vida carrega. Assim as coisas já não explodem e estilhaçam tanto. Ou pelo menos já é possível encontrar as partes espalhadas por aí.
Cascais, 20/7/08
novamente outono
Venta. Muito. Tive de ir à rua, ao banco, ao mercado, e era uma luta caminhar contra o vento, que me empurrava na direção contrária. Um cheiro forte e bom de resina vinha dos galhos e pequenos frutos arrancados dos pinheiros e espalhados pelo chão. Poucas pessoas nas calçadas. Todos com certeza metidos em algum lugar, evitando o incômodo daquela força invisível contra a qual não há nada a fazer. A natureza age e é assim. É ter paciência até que ela se acalme.
Chego a casa e a porta entreaberta da varanda deixou entrar folhas soltas, expulsas das árvores. Deixou entrar terra e pó. E o ruído, que me faz sentir ameaçada de algum modo, impede que eu me concentre inteira no trabalho com o prazo no limite. De vez em quando vêm uns estrondos lá de fora, que não sei distinguir; como se algo desmoronasse. Me assusto.
Se o vento entrar pela noite, já sei que vou demorar a dormir. De madrugada ele traz presságios e me deixa inquieta. Tira a solidez e constância das coisas. Abala o mundo onde, iludida, me deixo estar segura.
Um amigo, para me acalmar, me diz que o Outono aqui é sempre assim; e que por ser sempre assim, o vento, pra ele, é bem-vindo; confirma os ciclos a que está acostumado. Faz parte do seu mundo, do mundo onde ele se sente seguro.
Cascais, 28/10/08