dezembro 21, 2008

flanar, verbo universal


Para compreender a psicologia da rua, não basta gozar-lhe as delicias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível; é preciso ser aquele que chamamos 'flâneur' e praticar o mais interessante dos esportes: a arte de flanar.
(…)
Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários; que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde (…).
É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência (…), ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.
(…)
Eu fui um pouco esse tipo complexo e, talvez por isso, cada rua é para mim um ser vivo.
Balzac dizia que as ruas de Paris nos dão impressões humanas. São assim as ruas de todas as cidades, com vida e destinos iguais aos do homem.


do livro de crônicas (1918) A Alma encantadora das ruas, de João do Rio (foto)

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