dezembro 21, 2008

histórias de migrantes

Aos sábados, às vezes vou a um café-restaurante aqui perto de casa. Em parte por um pouco de preguiça de cozinhar, mas sobretudo porque sei que aos sábados tem feijoada. E além da feijoada tem caipirinha. E além da caipirinha tem música brasileira: por exemplo, hoje ouvia com grande prazer o Raul Seixas na sua “Metamorfose ambulante”.
(De manhã tem pão de queijo quentinho!)

O dono do Spiadela é um senhor muito simpático, sempre muito gentil e atencioso com todos, e brincalhão. É português, mas a princípio pensei que fosse um brasileiro que tivesse pegado o sotaque daqui. Então, pouco a pouco, a cada vez que vou lá, puxo conversa e fico sabendo mais um espisódio da vida dele.
Emigrou para o Brasil, para o Paraná, aos dezessete anos, através de uma “carta de chamada” do irmão, que já tinha ido pra lá. Esta “carta” era um documento que existia na época, em que uma pessoa – no caso, o irmão dele – se responsabilizava por outra, em todos os sentidos, durante cinco anos. Após os tais cinco anos, o recém-chegado (já menos 'recém') recebia o “modelo 19”, um documento, segundo ele, dado somente aos imigrantes portugueses que se tinham mesmo fixado no Brasil.
Com o tempo, acabou por encontrar aquela que viria a ser a sua mulher, mãe dos seus cinco filhos, todos nascidos no Paraná. Ela também era imigrante portuguesa, tendo ido pra lá com os pais.
Ele (ainda não sei o seu nome…) me contou, por alto, que conhece quase todo o Brasil, tendo, inclusive, ajudado a fundar uma cidade (...?) em Roraima: está lá a sua assinatura nos registros da fundação. Conhece o Mato Grosso todo, o Sul todo e por aí a fora.
Voltou pra Portugal com a família – só uma filha ficou no Brasil, casada com um brasileiro – em 1988, e aqui recomeçou a vida.
Tem uma expressão afável, alegre, e o sotaque é mesmo um misto de português daqui com paranaense.
Ele adora o Paraná. Pelo pouco que me contou, teve no Brasil uma vida boa e plena. Talvez tenha voltado por aquele impulso de voltar à terra natal, mais cedo ou mais tarde.
A nossa conversa acontece enquanto ele me dá o troco ou prepara um cafezinho – daí ser assim, um pouco aos bocados, fragmentada. Mas ainda vou saber mais: porque acho bom ouvir a vida das pessoas. Não por curiosidade pura e simples, mas porque a vida das pessoas tem valor, e traz histórias de épocas, de momentos da vida humana em geral.

Cascais, 24/3/07

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